Terry Winters
26 Outubro 2019 — 31 Janeiro 2020
Terry Winters
26 Outubro 2019 — 31 Janeiro 2020

O auroras tem a honra de apresentar a primeira exposição de Terry Winters no Brasil,, que desde o início da década de oitenta tornou-se uma referência para diferentes gerações de pintores brasileiros. Ao longo de sua carreira, o artista expandiu as preocupações da arte abstrata ao envolver conceitos contemporâneos do mundo natural. Uma ampla variedade de temas é referenciada, desde a arquitetura de sistemas vivos e biológicos até novas ordenações espaciais de visualização de dados. Nos trabalhos apresentados nessa exposição, uma sensibilidade metafórica se revela na linguagem expressiva de formas e figuras ressonantes.

Nesta exposição são apresentadas seis pinturas recentes e uma série de colagens. As pinturas feitas com tinta a óleo, cera e resina sobre linho, exploram a materialidade e o gesto na pintura dentro de um processo abstrato que acaba por criar formas que se assemelham a estruturas orgânicas ou redes cibernéticas. Suas colagens sobrepõem imagens figurativas e logos reconhecíveis a fundos abstratos e coloridos, por vezes intermeados com esquemas técnicos e grids.

Simultaneamente à sua exposição individual no auroras, Winters participa de uma exposição coletiva ao lado de Bruno Dunley, Luiza Crosman, Marina Rheingantz, Paulo Whitaker e Yuli Yamagata no Olhão, um novo espaço de arte na Barra Funda. Ambas as exposições foram realizadas em parceria com Projeto.ASP.

Vistas da exposição
Fotografia: Ding Musa
Obras
Shade, 2015-2016
Óleo, cera e resina sobre linho
152 x 114 cm
Cloud, 2015-2016
Óleo, cera e resina sobre linho
152 x 114 cm
Nebula, 2015-2016
Óleo, cera e resina sobre linho
152 x 114 cm
Section, 2015
Óleo, cera e resina sobre linho
152 x 114 cm
Plate, 2015-2016
Óleo, cera e resina sobre linho
152 x 114 cm
Zone, 2015
Óleo, cera e resina sobre linho
152 x 114 cm
Notebook 4, 2003 - 2011
Colagem sobre papel
28 x 22 cm
Notebook 91, 2003 - 2011
Colagem sobre papel
28 x 22 cm
Notebook 89, 2003 - 2011
Colagem sobre papel
28 x 22 cm
Notebook 161, 2003 - 2011
Colagem sobre papel
28 x 22 cm
Notebook 156, 2003 - 2011
Colagem sobre papel
28 x 22 cm
Notebook 169, 2003 - 2011
Colagem sobre papel
28 x 22 cm
Texto Curatorial

Digamos assim

João Bandeira

Você levantou um pouco as sobrancelhas, como se perguntando sobre a natureza do que estava a sua frente, mas nem deu tempo de formular nada. Porque logo veio essa voz, já no meio de uma frase, dizendo que, sim, eram todos parte de um mesmo grupo e que se destacavam sensivelmente dos demais da família a que pertencem – na verdade muito antiga, com idade contada em séculos e até milênios; Plinio, o velho, se referiu a ela – pela potência exacerbada e inédita de suas habituais capacidades. Em primeiro lugar, o excepcional poder de mudar de cores, e ainda mais, de misturar muitas delas por meio da chamada translocação de pigmentos pela pele (meio áspera e seca, como certas pedras e troncos, você pensou, enquanto acompanhava assombrado as alterações acontecendo e reparava nos restos de cores entremeadas com algumas mais fortes à primeira vista). Uma reação orgânica, ressaltou a voz, principalmente quando estão envolvidos em algum tipo de interação.

Claro que para a ocorrência desse fenômeno, ela continuava falando, o principal era a ação dos cianóforos, para os azuis, dos leucóforos, para o que as pessoas enxergam branco, e assim por diante com os demais cromatóforos, que, como você devia saber, não são exclusivos deles, ainda que particularmente ativos nesses seres inquietos. E, como se podia ver, demonstravam mais capacidades: realizar torções na padronagem de algumas partes do dorso, movimentos helicoidais ou expansões do centro para as bordas da pele, e outras que, com o tempo, iam aparecendo. Você iria acabar entendendo que essas coisas colaboravam para o funcionamento de uma espécie de sistema de alteração contínua no aspecto da pele deles, aliás feita de várias camadas, em si mesmas instáveis, e por isso, de quando em quando, certas áreas pareciam estar mais abaixo ou mais acima.

E mesmo não sendo o tempo todo assim, as camadas pareciam poder mudar de lugar sem nunca alcançar um fundo bem definido, conforme, a voz acrescentou, o insaciável Leonardo já havia concluído nas suas pesquisas; ele que, para impressionar as visitas, pregava uma barba postiça no seu lagarto amestrado. Embora isso não venha bem ao caso aqui, ponderou. Daí que, avistando-se um deles, dava, como agora, para apreender a configuração geral, mas era mais ou menos comum a pessoa ir ficando confusa – não, você não era o único –, porque olhando com atenção para uma determinada parte, por exemplo, às vezes ela já não era como segundos atrás, se subdividindo ou se aglutinando a uma outra, que antes será que estava ali? Tudo isso causava essa impressão de turbulência, o comentário frequente sobre uma sensação meio vertiginosa de entrever dimensões desconhecidas dentro do dentro deles, como alguém disse uma vez.

Provavelmente você já havia percebido que, além das flutuações na configuração da pele, eles incorporavam uma série de identidades. Não se sabe direito, hipóteses continuam a ser levantadas, talvez o segredo estivesse no misterioso poder que tinham de transmigrar através das muitas subespécies conhecidas, e até por outras jamais vistas, pelo menos ainda não catalogadas, sem com isso deixarem de ser eles mesmos. E como todas as subespécies são igualmente dotadas da famosa capacidade mimética, detalhes da aparência que estes em questão assumiam eram também, ela enfatizou, uma memória do que os seus parentes absorveram, digamos assim, em tempos e lugares diversos (aahhh…, você deixou escapar; e começou a achar que eles também reagiam mimetizando várias coisas dos humanos ao mesmo tempo: paredes ladrilhadas, cestas de basquete, estampas de roupas, páginas de Wentworth Thompson, fotos de satélites, jardins mal cuidados, proteções de tela de computador, a torre de Mendelsohn em homenagem a Einstein, o caracol de del Cossa, bebidas gaseificadas, ou, sabe-se lá, sardas, o pavilhão de uma orelha… Vai ver, taquigrafavam na pele até impulsos elétricos captados do cérebro de quem parasse na sua frente).

A criação em laboratório nesses viveiros retangulares transportáveis, lidando com as condições materiais básicas que permitem que eles se desenvolvam, mais do que apenas sobreviver, tinha sido decisiva para o aparecimento constante de novas aptidões. Especialmente por conta dessa capacidade de interação com os ambientes – nem sempre voluntária, é bom lembrar, ela disse (mas você duvidou, disposto a não ceder a tanta certeza, e, a essa altura, desejando em vão menos porquês). De tal forma que alterações ocorriam pela reação ao tamanho e à organização do espaço, às variações na incidência de luz, às diferenças de clima nas estações do ano etc., e sobretudo ao maior ou menor movimento de seres humanos perto deles.

As pessoas, por sua vez, começaram a acreditar que, com seu poder de absorção e transformação, eles poderiam aprender a falar. E, bem, como sempre acontece, isso terminou gerando uma falação sem fim de grupos aparentemente bem intencionados em volta deles. Porém com o passar do tempo a ideia principal de estarem ali foi sendo esquecida e muitas vezes as pessoas começaram a conversar entre elas mesmas, sobre comida, sobre viagens, sobre o aquecimento do planeta, dramas pessoais, futebol, o príncipe Andrew – mas isso é outra história, desculpou-se a voz (que, por falar nisso, é bom lembrar que só você ouvia). Seja como for, muita gente contava que em vários lugares onde os viveiros foram instalados algum tipo de vibração sonora foi constatada.

Já um estudioso deles havia afirmado que todo esse fluxo de fenômenos inusitados era artificial, provocado pela administração de determinadas substâncias, típico experimento de longa duração de um pesquisador  independente e visivelmente bem informado. Na avaliação da voz, a se crer nessa explicação, a coisa seria então fruto do jogo entre a imaginação e os resultados obtidos por alguém que, por seu turno, parecia reagir a um ambiente de trabalho invernal (infernal? você ficou em dúvida se era o que a ela havia dito, mas não dava para perguntar, não demonstrava estar aberta ao diálogo). Talvez cansada de suas próprias elucubrações, a voz confessou que na verdade preferia a versão mais aceita de que tudo neles se devia a um primeiro camaleão que, perdido nas construções do observatório de Jaipur, teve uma visão de ser um caleidoscópio quebrado, mesmo assim girando indefinidamente.

Publicação
Sobre o artista

Terry Winters (1949, Brooklyn, NY) estudou no Pratt Institute, onde graduou-se em 1971. Desde o início da década de oitenta o artista tornou-se grande referência para gerações de pintores brasileiros. Ao longo de sua carreira, Winters realizou diversas exposições individuais em museus nos Estados Unidos e na Europa, incluindo: Tate Gallery (Londres, 1986); Museum of Contemporary Art (Los Angeles, 1991); Whitney Museum of American Art (Nova York, 1992); Whitechapel Gallery (Londres, 1998); Kunsthalle (Basel, 2000); Metropolitan Museum of Art (Nova York, 2001); Irish Museum of Modern Art (Dublin, 2009);  Staatliche Graphische Sammlung at Pinakothek der Moderne (Munique, 2014); Museum of Fine Arts (Boston, 2016) e Drawing Center (New York, 2017). Winters vive e trabalha na cidade de Nova York e no condado de Columbia (NY).