Renata De Bonis — Sono Leve
14 de Abril — 29 de Maio 2021
Renata De Bonis
Sono Leve
14 de Abril — 29 de Maio 2021

 

A prática de Renata De Bonis está ligada a retiros em lugares isolados, em paisagens que poderiam evocar o sublime, mas também em ambientes conhecidos. Nesse sentido, estar em imersão em espaços mais ou menos delimitados é parte de sua trajetória e não diz apenas dos acontecimentos recentes. A pintura, que fez parte de seu vocabulário inicial, foi retomada após trabalhar com materiais que vinham diretamente dessas paisagens naturais e culturais.

Em suas pinturas recentes, produzidas na zona rural paulista, a artista apresenta uma pluralidade de motivos, com generosa atenção aos detalhes da vida cotidiana: folhas no chão; uma flor; ou a cena onde o retrato é substituído pela imagem da capa do livro de Tennessee Williams, que protege o rosto da luz vertical do sol.

Simultaneamente à exposição no auroras, Renata De Bonis mostra um grupo de pequenas obras no estábulo do sítio, onde foram produzidas. O conjunto de pinturas que se encontram nesse espaço são variações de cenas lunares, assinalando o interesse recorrente da artista pela luz e seus efeitos. Próximo ao estábulo encontra-se ainda um orquidário abandonado onde se pode escutar uma instalação sonora, composta por gravações de campo – que desenham uma paisagem sonora do sítio – mixadas a uma camada instrumental de piano e violão e a repetição mântrica da frase “sono leve” que dá nome à exposição. Esse mesmo trabalho é reproduzido na biblioteca do auroras.

Esse “Sono Leve” não foi contaminado pelo pesadelo, pelo contrário, reflete um bem-estar luminoso; o olhar continua focando em enquadramentos de cenas familiares que o ambiente proporciona e pode se demorar neles, tem tempo.

 

Vistas da exposição
Fotografia: Ding Musa
Obras
Sorte, 2021
óleo e cera sobre linho
120 x 100 cm
Coquinhos, 2021
óleo e cera sobre tela
70 x 50 cm
Branca, 2021
óleo e cera sobre linho
130 x 110 cm
Artun (Memoirs), 2021
óleo e cera sobre tela
60 x 50 cm
Rosemary, 2021
óleo e cera sobre tela
50 x 70 cm
Quininha, 2021
óleo e cera sobre tela
90 x 60 cm
Manhã seguinte, 2021
óleo e cera sobre tela
80 x 60 cm
dupla, 2021
óleo e cera sobre linho
díptico, 24,5 x 30 cm cada
Noitinha, 2021
óleo e cera sobre tela
30 x 24 cm
Matisse, 2021
óleo e cera sobre papel
46 x 30 cm
Porão, 2021
óleo e cera sobre tela
110 x 130 cm
Texto Curatorial

ECDISE, ou sobre quando abre
por Guilherme Teixeira

 

Beware: whoever pretends to be a ghost will eventually turn into one. George Caillois in. Mimicry and Legendary Psychastenia

 

Uma mão toca o vidro um vidro uma mão toca um vidro o vidro; um som que era eu ontem vibra todos os galhos me vibra – eu era um galho que engolira outro. Algo se quebra, se desfaz de mim, e líquido me desfaço exúvia; líquido sou outro e sou mil ou sou tudo. Algo se faz motivo de movimento, apêndices se deslocam e se perdem, eu me perco ao nascer há pouco. Uma mão toca o vidro um vidro uma mão toca um vidro o vidro reverbera e gesto e silêncio me impelem a mover: sou gesto, sou silêncio, sou enfim. Nunca me disseram, mas há um entomólogo francês que postula a necessidade de um inseto inofensivo tomar a aparência de um proibido, e cita as Trochillium e Vespas Crabros e suas mesmas constituições fisiológicas que nascem da linha tênue entre a violência e a proteção. Olho para trás – ou seja, para mim, e uma mão toca o vidro um vidro uma mão toca um vidro o vidro reverbera o gesto: aquilo é barulho, é silêncio, é contato? Olho para trás – ou seja, para mim, e vejo folhagem, vontade de vida, falseio de fartura, vontade de tudo; Olho para trás – ou seja, para mim, e não sei onde folhagem, vontade de vida, falseio de fartura, vontade de tudo acaba, e eu começo… Dei dois passos e não sei mais onde começo e uma mão toca o vidro um vidro uma mão toca um vidro o vidro e som treme as hastes não sei se do que me rodeia ou das minhas irmãs: Olho para trás – ou seja, para mim, e assumo ou finjo entender que me fiz Vespa Crabro.

Nada satisfaz esse fenômeno e eu olho pra trás – ou seja, para mim, e percebo que não acabo e sou tudo que foi troca atlântica e verbos do tudo que olha para trás – ou seja, para elas, e não sabem onde terminam ou onde começam.

Olho para trás – ou seja, para mim, e uma mão toca o vidro um vidro uma mão toca um vidro: o vidro é; Olho para trás – ou seja, para mim, e feita vidro aceito e assumo que sou o que me esqueci – cheia de vontade de ser vidro, fui vazão -, e uma irmã se aproxima: me aquieto, não ouso dirigir-lhe palavra e ela, que olha para trás – ou seja, para si – retorna seu olho pra frente e me faz motivo de digestão: metade de mim some em sua boca, olho para trás – ou seja, para o que era eu, e não há mais coordenada… É sobre o se poder espaço? E uma mão toca o vidro um vidro uma mão toca um vidro o vidro e em breve, a partir da nomenclatura e semântica dos homens que se construíram no século xvii, o nome que habita a boca de minha irmã assim como o meu será motivo daquilo que sobra entre um plano e outro: tudo dado o fato de que, na vontade de ser tudo e continuar sendo, acabamos por engolir umas às outras e uma mão toca o vidro um vidro uma mão toca um vidro e agora é vez de minha irmã ser enunciado.

– Uma mão toca o vidro um vidro uma mão toca um vidro o vidro; um som que era eu ontem vibra todos os galhos me vibra – eu era um galho que engolira outro. Algo se quebra…

Sobre a artista

Renata De Bonis (1984, São Paulo) é artista e doutora em Artes Visuais pela Universidade Estadual de São Paulo (2020). Inicia sua trajetória no começo dos anos 2000, tendo integrado o grupo 2000e8 ao lado de Ana Elisa Egreja, Bruno Dunley, Marcos Brias, Marina Rheingantz, Regina Parra, Rodolpho Parigi e Rodrigo Bivar. Seu trabalho envolve múltiplas linguagens, como a pintura, instalações e projetos sonoros. Participou de residências na Alemanha, Brasil, Estados Unidos da América, Holanda, Itália e na Islândia. Em 2015 recebeu um prêmio da Künstlerhaus Lukas que incentivou sua pesquisa a partir das paisagens de Caspar David Friedrich.

Realizou exposições individuais em De Aanschouw (Rotterdam, 2019); Lamb (Londres, 2017); Giorgio Galotti (Turim, 2017); BFA Boatos (São Paulo 2015); Centro Cultural São Paulo (2014); e no Coletor (São Paulo, 2014). Dentre as exposições coletivas estão: FourFlags, Galeria Jaqueline Martins (São Paulo, 2020); 2020, Rozenstraat (Amsterdã, 2020; DDDuuuooo, Tilde (Amsterdã, 2020; A Hora Instável, Galeria Bruno Múrias (Lisboa, 2019); Conversas em Gondwana – Arquipélago, Centro Cultural São Paulo (São Paulo, 2019); FUTURuins, Palazzo Fortuny (Veneza, 2018); Elements, Neues Kunsthaus (Ahrenshoop, 2018); 3a Bienal de Montevidéu (Montevidéu, 2016); Festival Arte Atual, Instituto Tomie Ohtake (São Paulo, 2016); Esforço-Desempenho, Galeria Athena Contemporânea (Rio de Janeiro, 2016), 1 (um), BFA Boatos (São Paulo, 2015) e Os Primeiros Dez Anos, Instituto Tomie Ohtake (São Paulo, 2011). Ela também é destaque no livro ‘Pintura Brasileira Séc XXI’ pela editora Cobogó.