Cecily Brown, artista inglesa que emergiu nos anos 90 e hoje é uma das pintoras mais celebradas internacionalmente, apresenta “Se o paraíso fosse assim tão bom”, exposição formada por um conjunto de trabalhos desenvolvidos na última década de sua carreira. As dez pinturas e os oito desenhos selecionados pela artista em diálogo com Paulo Miyada, curador do Instituto Tomie Ohtake, representam a frequente reflexão de Brown sobre um assunto que a tem fascinado: o paraíso.
As pinturas são repletas de cor e movimento; faces – animais e humanas – espreitam os espectadores por entre véus de cor; figuras exploram o espaço pictórico e recusam-se à imobilização e fixação. Tudo está movimento, nada está assentado. Os trabalhos apresentam-se no meio da narrativa, transpirando um dinamismo que desafia a natureza estática da pintura. Eles revelam e escondem na mesma medida, solicitando ao espectador que olhe de novo e de novo.
Uma característica muito discutida pelos críticos acerca do trabalho poderá ser apreciada pelos visitantes: as obras apresentam uma tensa relação entre figuração e abstração: é possível reconhecer corpos, animas e plantas emaranhados, mas também é possível deixar de enxergá-los e perceber apenas manchas e campos de cor dinamicamente posicionados. Isso decorre do modo único que a artista desenvolveu para evocar cenas e situações sem prendê-las em contornos rígidos, ao mesmo tempo em que experimenta com espontaneidade e vigor as possibilidades plásticas da pintura com tinta à óleo sem limitar-se por planos previamente definidos.
Graças a essa atitude, a visão de Brown sobre o paraíso lembra um campo de batalha, mas livre de insinuações moralizantes. “É difícil precisar se os paraísos de Cecily Brown seriam, afinal, mais ou menos toleráveis do que as versões idílicas que os precederam. Seus aspectos associáveis ao inferno (dinamismo, choque e confusão) seriam talvez bem-vindos para os cidadãos do presente, tão apaixonados pelo espetáculo de gratuidade e destruição que desfila nas velhas e nas novas mídias dia após dia, minuto a minuto”, pondera Miyada.
Nestas pinturas, ao invés de ensaiar a calma batalha entre o bem e o mal, Brown luta com a relação entre essas forças opostas, como elas interagem e se tensionam. É a coexistência perpétua do bem e do mal, da luz e da escuridão, e a tensão produtiva criada por essa mistura que fascinam a Brown. Ela se volta a representações do paraíso que exploram a inquietante natureza da utopia. Sua obra é inspirada pelo tratamento dado ao tema por artistas como Hieronymus Bosch, Michelangelo Buonarroti e Jan Breughel. Esses artistas canônicos pintaram cenas paradisíacas, nas quais humanos e bestas coexistem em uma irrealidade que é tão exuberante e fecunda quanto melancólica. Assim como Brown, eles entenderam que o paraíso é precário. É o cenário de uma dança delicada, um duelo de forças ao mesmo tempo sedutor e agourento. Brown usufrui dessa instabilidade e impregna seus trabalhos com uma beleza entrópica. Evocando as portentosas palavras de W.B. Yeats, “things fall apart, the center cannot hold” (livremente traduzido como “as coisas se desintegram, não é possível segurá-las”), o conjunto de pinturas de Cecily Brown sugere que talvez seja a natureza intangível e efêmera do paraíso que o transforme nisso: um ideal inatingível e irresistível.